"- E que somos nós? - exclamou Ega. - Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento, e não pela razão..."
Os Maias

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Em terra própria


"Ao contrário no campo, entre a inconsciência e a impassibilidade da Natureza, ele tremia com o terror da sua fragilidade e solidão. Estava ali como que perdido num mundo que lhe não fosse fraternal; nenhum silvado encolheria os espinhos para que ele passasse; se gemesse com fome nenhuma árvore, por mais carregada que estivesse, lhe estenderia o seu fruto, na ponta compassiva de um ramo. Depois, em meio da Natureza, ele assistia à súbita e humilhante inutilização de todas as suas faculdades superiores. De que servia, entre plantas e bichos - ser um Génio ou um Santo? (...) Toda a intelectualidade, nos campos, se esteriliza, e só resta bestialidade!" in A CIDADE E AS SERRAS, Eça de Queiroz.

Gosto muito da areia e do azul-piscina do mar, mas quem me tira o verde da serra e o cantar da cigarra ao fim da tarde - como consigo encontrar nas praias da serra da Arrábida - tira-me quase tudo... Por isso, depois de uns dias na Arrábida, o meu portinho vai ser agora, definitivamente, a terrinha. Há tradições por cumprir, rituais por repetir, recantos por descobrir no meinho de Portugal.

Jacinto, da Cidade e as Serras, nascido em Paris, acreditava inicialmente que só a cidade tinha as condições para que sentisse a sua superioridade de ser pensante e se separasse, assim, 'dos bichos'.
Apesar daquela personagem mudar completamente a sua visão depois de se mudar para o campo, o que está em causa é, no fundo, a diferença entre a cidade e as serras, entre o litoral e o interior, entre a simplicidade e os salamaleques, entre a metrópole e a ruralidade, entre os múltiplos acessos de auto-estrada e as estradas nacionais e municipais que teimam em contornar montanhas, multiplicando-se em quilómetros e quilómetros que fazem  resistir os seus caminheiros.
É muito mais difícil viver na montanha, envolvido em nevoeiro todas as manhãs. É inevitável, e é mais do que natural, que as montanhas, por si, e o nevoeiro ofusquem as ideias dos mais jovens e dos mais idosos. Isso acontece com as gentes tal como se escondem o horizonte e os caminhos, pela manhã, e possivelmente, por isso mesmo.
A expansão pessoal, social, profissional de cada um é sonhada de acordo com as circunstâncias, claro está, com as quais se conformam muitas vezes. Outras, porém, vincam-se anseios de mudança, que acabam por gerar o tipo de emigrante que o é em terra própria.
Muda-se.
Conhece.
Desilude-se.
Volta.

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