"- E que somos nós? - exclamou Ega. - Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento, e não pela razão..."
Os Maias

segunda-feira, 19 de julho de 2010

«Era de mulher o coração de Mariana»


"Mariana, durante a veloz caminhada, foi repetindo o recado da fidalga;
e, se alguma vez se distraía desse exercício, 
era para pensar nas feições da amada do seu hóspede,
e dizer, como em segredo, ao coração: 
«Não lhe bastava ser fidalga e rica: é, além de tudo, linda como nunca vi outra!»
 E o coração da pobre moça, avergando ao que a consciência lhe ia dizendo,
chorava."
in Amor de Perdição, Camilo Castelo Branco


Normalmente, num livro, as minhas personagens favoritas não são as personagens principais, porque as personagens principais, na realidade, não existem, e eu gosto pouco de ficções. Nunca me apaixono pelos heróis ou pelos anti-heróis de uma história e dificilmente estou a torcer pelos dois amantes que vivem um amor impossível. Nem por aqueles que têm um carácter linear, completamente maus, ou completamente bonzinhos. Simplesmente, não existe ninguém assim!
Nos Maias, a personagem por quem sempre tive um fascinio platónico é o Ega, pela sua loucura, inteligência, sentido de humor, realismo, pelos desgostos amorosos que teve, por ser o melhor amigo da personagem principal, o Carlos, e porque o Ega personifica toda uma geração, um ideal de vida da época, e um percurso que quase poderíamos identificar com o próprio Eça de Queiroz e a sua geração de 70 - os Vencidos da Vida.
No Amor de Perdição, mais uma personagem secundária. Mariana. Talvez Camilo Castelo Branco nem se tenha apercebido da dimensão moral que tem a personagem, pois é mais a imaginação do leitor do que a discrição da mesma ao longo do romance. A própria critica literária afirma que Mariana é "a figura mais humana e mais complexa da obra" (assim, Jacinto do Prado Coelho).
Mariana, a filha do ferrador que acolhe Simão, é silenciosamente apaixonada por ele, e na história de amor entre Simão e Teresa, Mariana está ali a mais, do ponto de vista do enredo, quer dizer, ela não lhes causa problemas e não é um elemento perturbador. É apenas a confidente, é ela que lhe cuida as feridas, é ela que o vai ver à prisão, é ela que entrega as cartas de amor entre Teresa e Simão, e que chora por não ter o seu amor. "... Mariana, que tivera alguns princípios de escrita, sentava-se à banca, e escrevia cem vezes o nome de Simão, que muitas vezes as lágrimas deliam. E isto assim, durante sete meses, sem nunca ouvir nem proferir a palavra amor." in Amor de Perdição.
Aparentemente, é uma personagem daquelas boazinhas, irritantes, mas não é verdade! Mariana é uma mulher e uma personagem bem real (das que eu gosto).
Quando sabe que Teresa vai para o Convento, nota-se "luzir nos olhos de Mariana um clarão de inocente alegria".
Quando se oferece para entregar ela mesma as cartas de Simão a Teresa, não o faz por mera abnegação! Para além de evitar que ele corra riscos, tem  no seu íntimo, dois propósitos bem claros: impedir que Simão vá, ele mesmo, encontrar-se com Teresa, e por outro lado, satisfazer a sua curiosidade de mulher - conhecer Teresa e olhar o rosto dela.
Quando Mariana se suicida, no mar, agarrando-se ao corpo de Simão, fá-lo porque é a única maneira de o corpo de Simão lhe pertencer, vivo ou morto, na eterna impossibilidade de deter a sua alma.
E é isto.

Sem comentários: