"- E que somos nós? - exclamou Ega. - Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento, e não pela razão..."
Os Maias

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Partilha

Falemos. Não daquela partilha que ensinamos aos miúdos quando têm um novo brinquedo. Não daqueles actos de partilha, por solidariedade social, de que se fala sempre na época do Natal. Não, ainda, da partilha dos corpos. A minha teima hoje é um bocadinho (não muito) mais profunda. Pelo menos não é vísivel. Muito menos é palpável. São experiências, vivências e emoções partilhadas a dois.
Nada de grandes feitos, nada de muito (muito) diferente. Ontem decidimos atravessar o rio e ir até ali ao distrito de Coimbra para uma noite de fados (de Lisboa), e damo-nos conta que em possivelmente setenta a setenta e cinco por cento das nossas saídas, houve fado. Mas partilhar experiências, vivências e emoções não é nada fácil. E no entanto, eu quero beber do teu olhar, ver tudo com as tuas mãos, respirar as coisas diante de mim com a tua sensibilidade. A verdade é que oiço com a minha imaginação cada uma daquelas cantigas, e onde o fadista prolonga a voz com uma virgula repenicada, reina no meu coração o silêncio das guitarras e o trinar da melodia. Não importa a voz, importa o sentimento, e a prova disso é que o cantor tinha uma voz estonteante (qual Luciano Pavarotti), assim ao jeito dos fados de Coimbra, mas a técnica com que se preocupava a cantar não o deixavam - pareceu-me - sentir o que estava a fazer. Mas se o artista não consegue passar sentimento ao seu público não é por isso que deixamos de aproveitar o encanto que é a música ao vivo, com mais ou com menos esforço. É certo que quem canta não tem de corresponder ao modo como cada um sente. Ele será sempre - apenas e só - um intérprete de um poema e de uma música, e a música é quase sempre muito mais do que isso. Sei que também pensas assim. Sei porque estou ali, ao teu lado, e como que oiço os teus comentários quando olhamos um para o outro. E gosto tanto de ali estar. De nada havia de me valer um grande espectáculo, numa sala nobre, se a minha companhia não fosse a tua, e se não tivesses o modo de ser e o modo de estar que te conheço. Mas desta vez foi especialmente tranquilizante, promissor, estimulante, desafiante, e nada disto deixou de ser partilhado!

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