"- E que somos nós? - exclamou Ega. - Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento, e não pela razão..."
Os Maias

terça-feira, 24 de maio de 2011

Adeus... a sequela!


Sem querer repetir, porque este poema já teve lugar neste blogue, e sem querer passar a ideia de que tenho pouca cultura poética, simplesmente porque é o meu favorito. É que um poema é bom quando consegue ser transversal às várias situações e sentidos que a vida tem, e este... vem sempre a propósito. Sempre.
Porque pese embora se refira ao adeus de uma relação, ele mantém-se presente no dia-a-dia. Ele reflecte aquilo que de melhor tem um namoro, mas aquilo que é preciso evitar a todo o custo, para que não acabe. É preciso que as palavras não se gastem por serem repetidas tantas vezes. Um pedido de desculpas repetido. Um não que é dito constantemente. Um amo-te que perde sentido. Um quero estar contigo que soa a banalidade. Um logo se vê que acaba por não ser devidamente resolvido. Um dia de trabalho que é interrompido com um telefonema de um beijo rotineiro. O tempo que ao fim-do-dia é todo pouco para descansar. A telenovela. As notícias. O facebook. O passeio adiado......
Por isso, vou reproduzir aqui o poema, o meu preferido, mas em texto corrido, porque o importante não é a forma mas aquilo que o sentido das palavras desperta em cada um de nós.

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio. Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos, gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro; era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes. E eu acreditava.
Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos, era no tempo em que o teu corpo era um aquário, era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes. Hoje são apenas os meus olhos. É pouco mas é verdade, uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras. Quando agora digo: meu amor, já não se passa absolutamente nada. E no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração. Não temos já nada para dar. Dentro de ti não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas. Adeus.
Eugénio de Andrade

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